A metáfora da guerra em Hora de Aventura

Vivi Ferreira
5 min readAug 14, 2022

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Bom, teve uma coisa que eu escrevi na minha tese e que me levou a problematizar muito Hora de Aventura, inclusive outras coisas que eu gostava. Claro, o que a gente se apaixona tem a ver com um construto social mais amplo e ancorado profundamente na subjetividade, então, não é do dia para noite que a gente deixa de gostar de coisas que sejam moralmente complicadas. Para mim, este é o caso da guerra e do combate. Eu amo, obviamente, quem não? Mas sempre fico com aquela coceira no fundo do meu ser me perguntando, o que isso pode dar a pensar? Daí, ignorando um bocado de coisas importantes destes dois grandes temas, vou tentar refletir um pouco sobre como a guerra pode sim, ser evitada e ainda dar uma ótima história de heroísmo e coragem.

Jake e Finn, uma dupla do barulho.

Estes símbolos estão presentes na literatura, sobretudo a de fantasia, ficção científica e romance histórico, e ajudam a vender rios de dinheiro. Eles estiveram também representados em Tormenta RPG, nos romances que eu analisei para minha tese onde apresentei algumas propostas para educação. Então, eu achava o máximo a fantasia para incentivo a leitura, estimular o pensamento e a imaginação, mas sempre me preocupava muito sobre como resolver as questões batendo e matando era um tipo de coisa que não achava tão legal para educação e para a formação leitora das crianças.

Vocês vão achar que estou sendo ingênua, e talvez esteja mesmo. A guerra está por todo lado, e sempre vai haver disputa no campo social, independente qual seja. Eu mesma li naquele livro Brincando de matar monstros, de Gerard Jones, que mostra o quanto jogos que incentivam este tipo de relação é defendido pelas crianças, fazendo com elas resolvam seus problemas consigo mesmas e com os outros de maneira positiva. Sei também que a brincadeira coloca um tipo de tag: “isso não vai afetar a vida direta”, o que faz com que tudo fique mais leve e interessante. E como diz a professora Rosa Maria Bueno Fischer: “são todos estes garotos tão belicosos?”, o que sempre me dá um pouco de coceira nas ideias ao pensar na relação das crianças com o excesso de violência das mídias, além de como professora não criar tanto caso com desenhos cheios de espadas e poças de sangue. Antes no papel do que na minha aula… Os caminhos podem ser fora da história também, com a mediação e a troca de ideia sobre como lidar com as forças de antagonismo dentro e fora de nós mesmos.

Em Hora de Aventura, Finn assume que precisa passar pela fase de matar um monstro e passar para o outro infinitamente. No episódio 36, da temporada 5, os protagonistas descobrem um trem em que cada vagão matam monstros e recolhem loot depois de cada desafio — a dinâmica narrativa do hack and slash, matar e depois saquear. O trem é como um oroboro, com seu começo preso no seu fim, por isso, logo percebem que aquilo é mais uma prisão do que um jogo. Mesmo assim Finn decide ficar por um tempo, considerando que aquele momento é importante para resolver suas tretas mentais depois do término com a Princesa do Fogo. Jake, que faz o papel algumas vezes de bússola moral, já tem um pouco de preguiça, mesmo não se opondo a lutar quando necessário, ele vira para o Finn e diz: “Você vai ficar velho e ainda vai estar neste trem…” Mas ele não está nem aí, e quer seguir subindo de nível, pelo menos por um tempo. Obviamente, depois passa a vontade mesmo!

Quase que uma partida de Munchkin!

Um herói no sentido clássico é bem assim, nunca chega ao seu fim, sempre buscando mais e mais, deixando umas penélopes malucas, tecendo infinitamente mantas para evitar o destino. A luta na verdade é contra o futuro, tentando tirar dele o máximo possível, mas é claro que temos que fazer isso de tempos em tempos, daí a complexidade. O herói me parece uma figura problemática, principalmente numa sociedade em que para fazermos a transformação social temos que mais aprender a trabalhar cooperativamente e sermos mais atentos e ligados no nosso entorno, muito mais do que furar buchos dos dragões e partir para longe. Eu cito Ursula Le Guin, no seu belo texto sobre Contos de Terramar:

A guerra é uma metáfora moral limitada, limitante e perigosa. Ao reduzir as opções de ação a uma “guerra contra o que quer que seja”, você divide o mundo entre Eu ou Nós (o Bem) e Eles (o Mal), reduzindo a complexidade ética e a riqueza moral da nossa vida a termos de Sim/Não. Isso é pueril, enganador e degradante. Quando a guerra é a única opção em jogo, sim: o poderoso se torna o certo. E por essa razão eu não gosto de jogos de guerra (p. 158).

Acredito que a última temporada de Hora de Aventura seja sobre isso. Finn crescendo agora com 17 anos, depois de retornar do encontro com a sua mãe, ele volta mais maduro, agora quer lidar com as coisas de maneira diferente. Desta maneira, ele entende quando vê que Princesa Jujuba está deixando o ódio contra o irmão crescer dentro dela, que isso vai culminar numa guerra sem precedentes. Finn decide tomar um caminho diferente, e levar todos os opositores para o mundo onírico, onde tentando escapar, vão encontrando as razões e as memórias que iniciaram as tretas. A própria Marceline diz que já viu essa música tocando, e que não deu certo.

Guerra dos cogumelos testemunhada por Marceline, a princesa Vampira.

O caminho para sair da guerra é mais difícil que o combate em si.

Acho que Hora de Aventura percebe isso muito bem, encerrando todos ciclos, passando uma mensagem de alívio para o meu coração agoniado. A acusação da série ser muito violenta se torna injustificada. Isso porque toda narrativa conflui para uma outra resolução: dá para ser herói, ser bondoso, evitar ao máximo o combate, resolvendo as tretas com a diplomacia necessária, numa revolução sem bombas e sem guerras e mesmo assim, fazer uma boa série.

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Vivi Ferreira

Aspirante a escritora. Amante da ficção. Profissional da Educação. Doutora.