Arquétipos das birras infantis no filme “Onde vivem os monstros”

Vivi Ferreira
3 min readJul 20, 2022

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Pensei muito neste filme dias depois de uma cena da escola, por isso resolvi refletir sobre. Esta semana, um aluno puxou o cabelo de outra aluna, mas não puxão de briga comum, ele parecia ter um súbito interesse em remover o escalpo da menina. Sem julgamentos, afinal ambos são crianças, mas foi uma cena que me incomodou bastante. Fiquei tentando compreender o que houve. Ela é uma chatinha, ele um menino sem maturidade emocional, alguém fez bullying? reflexo do machismo na sociedade? violência doméstica normatizada? Então, nada foi feito… Ao menos, saímos de férias nos dias seguintes e pude tomar um banho para tirar a escola e os problemas da sociedade de mim. Mas nem tanto assim.

A narrativa nos conduz para uma brincadeira de um menino terrível, o Max, ele é um monstro, capaz de morder e de fazer muita bagunça. Por fim, acabei reassistindo o filme, que é muito lindo e me fez entender um pouco do que aconteceu na cena da minha escola. Apesar de não ter nada a ver, logicamente, a parte psicanalítica acalmou meu coração cheio de perguntas sem respostas, que vou tentar racionalizar aqui, por um meio de uma reflexão sobre os personagens em forma de seus arquétipos dos monstros que Max, o protagonista do filme, conhece na ilha.

Para quem não sabe, arquétipo é um conceito-ferramenta utilizado na terapia junguiana, com o objetivo de pensar qual papel performamos em momentos da nossa vida. Baseado no tarô, os papéis de Jung podem estar entre o Tolo, o Sábio, a Mãe, a Donzela, e por aí vai. Mas arquétipos são termos usados desde a metafísica do Platão para entender coisas que vêm à superfície, como fenômenos visíveis — verdadeiras pontas do Iceberg -, a ponto de serem demarcados. Neste filme, vejo que os roteiristas buscaram em cada um dos monstros um tipo de arquétipo das birras infantis, que podem ser úteis para mim, diante dos meus dilemas de escola, talvez também para pais, educadores e outros tipos de responsáveis por crianças.

Cartaz do filme “Where the wild things are” (2009), dirigido por Spike Jonze, baseado no livro de mesmo título de Maurice Sendak. Classificação indicativa: 10 anos.

Os monstros da ilha, para onde Max parte para se livrar dos seus dramas familiares, são seres enormes, animais fabulosos, com rostos gigantes e aspectos assustadores e ao mesmo tempo peludos e fofinhos.

Carol: Aquele desejo profundo de que nada se modifique, que tudo permaneça como está e que quando se depara com a impermanência — única lei universal búdica, diga-se de passagem — não consegue lidar com o caos e o ódio: o desejo de destruição. Sentimento incontido de raiva e frustração, perda do controle.
Bode, Alexander: Aquele sentimento profundo, dentro de todos nós que diz: “Eu nunca sou ouvido”, como se coloca sempre para baixo, ninguém ouve mesmo… Um sentimento de exclusão e de não pertencimento, vontade de correr e fugir constante, mas que nunca foge pois tem esperança em ser visto e ouvido.
Judith: O desejo de mandar. Essa é fácil! Mandona que sabe tudo, que lembra de tudo, que sabe dizer o que pensa quando dá na telha, que não tem medo de ameaçar ou de bater se for preciso, tipo a Lucy do Charlie Brown que segue esse arquétipo infantil. No seu desejo de controle, ela acaba atropelando todo mundo.
Ira: Aquela vontade de tudo ajustar, mediar, saber o que está acontecendo para poder dar o melhor curso para as coisas, tenta amenizar todo mundo, mas sem ter como resolver os problemas.
Touro: Aquele desejo infinito de ficar no cantinho, quieto, esperando as coisas melhorarem. É a melancolia profunda, o desejo de ficar na toca, no silêncio, sem dizer nenhuma palavra ou reagir. A solidão.
Douglas: A vontade de aceitar tudo, mesmo quando parece errado… só para fazer parte, capacidade de dar o que tem, até mesmo quando a opção é ficar sem nada.
KW: Desejo de evadir, de fugir, de criar… Essa é bem difícil, inclusive, porque extrapola a birra, caminhando para cura e sublimação. Para alguns ela seria o maternal, mas para mim ela ficou mais como o vazio, o lugar onde tudo pode ser transformado, por isso a questão uterina pode aparecer como local de criação, chacra do potencial criativo. É a imaginação (já que tem dois amigos corujas, imaginários), a criatividade, por isso, o contrário do desejo de destruição, se opondo ao Carol, assim consegue interagir com todos.
O Rei vestido de Lobo: Todos temos dentro de nós aquele Rei, aquele que tudo comanda, que está no centro de tudo. O ego, ponto de início de todas as coisas, ponderador e ordenador. Ele faz o Forte, decide sobre como dormir e o que comer, dono do mundo. Vestido de lobo, como Rômulo e Reno foram criados por lobos, é a dominação selvagem, a busca por ser alfa: quem dita, quem manda, quem vinga. O jeito é ele perceber que é constituído por todos monstros, e assim, ver que não tem tanto controle como pensava.

A fantasia tem esta forma divertida de dar distância por meio dos símbolos e representações aos monstros de nosso ser. Por isso, Max pega um barco e navega dias e noites para a Ilha onde vivem os monstros, aqueles da infância, do passado ou do presente — que ainda nos amassam todos dias e nos quais nos aninhamos para poder dormir. Aliás, é bom filme para ver com as crianças, me trouxe algumas respostas, sobre os monstros dos meus aluninhos e de mim mesma.

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Vivi Ferreira

Aspirante a escritora. Amante da ficção. Profissional da Educação. Doutora.