Entendendo as historietas para ninar

Vivi Ferreira
3 min readApr 16, 2020

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Ando fazendo uns estudos sobre imagens e pensamento, tive um insight que gostaria de compartilhar.

O que significa realmente contar carneirinhos para dormir?

Um, dois, três carneirinhos…

Às vezes, coisas simples do dia a dia vão se esvaziando de sentido com o passar do tempo e vamos nos perguntando: Por que raios seguimos fazendo isso?

Estava com dificuldade para dormir outro dia e comecei a contar carneirinhos. Deixo claro que nunca tinha feito isso, porque não faz parte da minha cultura familiar. Fiquei lá, imaginando, aqueles carneirinhos pulando cercas, eles são fofinhos como nuvens, pulam a cerca e depois dão dois pulinhos, e aí, lá vem outro de novo… A imagem pode ser relaxante, mas não estava fazendo efeito, diante dessa quarentena (por conta da Pandemia de COVID-19), eu lá na cama, deitada, seguia sem dormir.

Pateta está fazendo tudo errado…

Será que eu estou fazendo isso certo, me perguntei? Existe um jeito certo de imaginar os carneirinhos, subindo e descendo, repetidas vezes, uma cerca baixa, e daí, me dei conta de uma coisa. Percebi que os carneirinhos são infinitos, assim como minha respiração, junto com os carneirinhos, subindo e descendo a cerquinha, minha barriga podia ir também. Ela se infla de ar na inspiração e depois dava, como os dois passinhos dos carneirinhos que aterrizam de um salto, minha inspiração, dois assobios do ar saindo.

Meu corpo se movia, na mesma medida em que a imagem mental que passava pela minha mente, em um momento de sincronia, o ar entrou e saiu ritmado, a ponto de relaxar meu corpo com oxigênio. Sim, ele tem efeito relaxante quando aumentamos sua dose normal, com o movimento do diafragma, subindo e descendo a barriga, como a respiração natural de um bebê. Assim, eu dormi em paz. A estratégia, como uma narrativa tradicional, tem um fundo maior, mais amplo, que se passa no corpo e vai além da visualização, abrindo para um campo maior — o da conexão mente e espírito e seus efeitos mais íntimos.

O poder mágico das narrativas, em influenciar nosso corpo, foi identificado por Lévi-Strauss ao ver um xamã contando para uma mulher com dificuldades ao dar à luz, uma aventura em que guerreiros matavam monstros para libertar um prisioneiro preso numa caverna, e o bebê nasce assim que a história é contada. Ao comentar esta experiência, Richard Kearney defende que a “natureza imita a narrativa”.

Podemos propor, pela nossa imaginação — capacidade de formar imagens mentais –, meios para nos conectarmos de maneira mais profunda com o nosso corpo. De maneira inconsciente, mudamos nosso estado espírito o tempo todo, com músicas, filmes, e outras produções culturais. Porém, acredito que é importante também produzir meios para afetar nosso corpo de maneira positiva, de nós para nós mesmos. Afinal, também temos habilidade de construir um cinema mental, nas nossas mentes, sobretudo antes de dormir. ;)

Bonne nuit!

Richard Kearney, filósofo irlandês, no livro “On stories”, da editora Routledge.

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Vivi Ferreira

Aspirante a escritora. Amante da ficção. Profissional da Educação. Doutora.