O terror cósmico em Locke & Key, os quadrinhos

Vivi Ferreira
3 min readJun 19, 2020

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Atenção, tem spoiler, então este texto é só para quem leu as HQ

Acabei de passar a noite em claro, terminando a última coleção de Locke And Key, “Ômega e Alpha”, ainda não traduzidos para português. (Geektopia, toma vergonha na cara que eu quero comprar todos, então lance logo!). Eu li quase tudo pelo Kindle Unlimited, serviço que sou assinante, as versões em inglês.

Voltando ao assunto. Gostaria de pensar um pouco sobre a antagonista da série de quadrinhos de Joe Hill e Gabriel Rodriguez, Dogde. Uma personagem que mimetiza medos ocultos e confusos, como dar confiança para alguém que não mereça, ser levado a fazer coisas só por prazer — sexual, fetiche de consumo ou mesmo gula. E ainda, ser mesmo assim, indefinível por palavras, algo sem sentido, um parasita de sua alma.

Olhos em uma massa de metal oco e disforme.

Estamos suscetíveis a frivolidade, a se deixar suspender pelos vazios existenciais, buscar coisas que nos satisfaçam momentaneamente, só para preencher o tédio. Dodge é mais que isso, ela/ele são demônios, muitos em um só, tribos infinitas de desejos de dominação e de autoritarismo. Muitas facetas em uma só “coisa”. Nessa outra dimensão que não sabemos o que foi e da onde veio, como se instaurou embaixo do farol, como se abriu o portal que causou tanto caos e benefício na vida dos Locke.

Capa de Alpha, parte de Ômega. Os Lockes seguem forjando novas chaves.

“Iä! Shub-Niggurath!” — aparece no Clockworks (vol.4), na voz de uma personagem tomada pelos espectros que saem do portal. Se possui um humano, vive através dele, com sede de sangue e fome de poder. Esta é uma referência direta a “Cabra negra das florestas com mil jovens”, parte da mitologia de Chutullu feita por Lovecraft. Um pouco de influência sobre o imaginário cristão, que ao se opor aos cultos à natureza e seus poderes, aproxima a figura do demônio a de uma cabra.

Ainda mais, quando vemos que Dodge não é homem ou mulher, não tem nenhum sentimento, não sente dor, somente prazer, prazer na dor .Conduz a todos com quem cruza a leviandade, a um único desejo, o de possuir a chave Omega, só para ter mais e mais poder, para ser maior que seus irmãos, ser maior que Shub-Niggurath, dominando a terra em um culto, em que “ela ou ele” é a entidade divina.

A representação do que não pode ser dito, daquilo que é confuso, imenso e maligno, sem razão, apesar por assim ser, é uma marca do mito cthulesco, lovecraftiano, que inaugurou o terror cósmico e revolucionou a literatura de fantasia e terror, incorporando a ideia do medo sobre forças inexplicáveis, que circundam nossa vida e nos aterrorizam, nos deixando perplexos ou até heroicos.

Ou completamente insanos!

Gosto da ideia de chaves, chaves para abrir e fechar, controlar a passagem deste perigo, que vive dentro das nossas casas (que pode ser também a nossa própria cabeça).

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Vivi Ferreira

Aspirante a escritora. Amante da ficção. Profissional da Educação. Doutora.